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Gramsci, o intelectual orgânico

14/11/2011

[Resenha de Os intelectuais e a organización da cultura, publicado por Laiovento em 2011]

Após a publicação dos Escritos de Mocidade, sai à rua a primeira entrega dos Cadernos do Cárcere, um conjunto multiforme e por vezes fragmentário de apontamentos tomados na cadeia por Antonio Gramsci, entre os anos 1929 e 1936. Ao longo deste período, Gramsci desenvolverá com uma lucidez e brilhantez extraordinárias (tendo em conta os meios ao seu dispor e sobretudo a sua péssima saúde) a sua filosofia da praxe. A reflexão gramsciana está motivada pela dupla derrota proletária na Itália dos anos 20 e é uma tentativa de superar as limitações e as misérias do movimento operário italiano. Assim, os Cadernos são a expressão teórica da proposta revolucionária de Gramsci, cifrada na visão global do Partido Comunista de Itália como intelectual coletivo e ator principal de uma estratégia revolucionária para o Ocidente, situada entre o parlamentarismo reformista do Partido Socialista de Itália e o insurreicionalismo libertário.

Os Cadernos do Cárcere são, sem dúvida, o mais interessante do pensamento de Antonio Gramsci, a quem podemos considerar, sem exagero, o maior teórico marxista após Lenine; deste tomou precisamente a noção de ditadura de proletariado, desenvolvida no conceito de hegemonia, o que se traduz na maior insistência de Gramsci na educação e na “reforma moral e intelectual” das massas. Face àquelas “vozes autorizadas” da ortodoxia que o acusavam de ser mais um idealista obcecado com a cultura, Gramsci faz questão em que o proletariado pode conquistar o poder, mas que só o conservará se conjuga a violência com a persuasão, isto é, mediante o exercício da hegemonia cultural e o consenso moral. Para elaborar esse consenso e para armar uma cultura proletária com vocação “totalitária”, Gramsci julgava necessário criar um novo intelectual, desta vez coletivo, “orgânico”, capaz em consequência de assentar valores e prioridades próprias do proletariado. A filosofia da praxe que Gramsci expõe nos Cadernos é, pois, o oposto ao idealismo representado por Benedetto Croce e com certeza não é uma visão elitista e espontaneísta da cultura, que Gramsci entendeu sempre em estreita conexão com a economia e com a política.

Num livro como Os intelectuais e a organización da cultura (um dos quatro “livros” em que se agrupam convencionalmente os Cadernos) o tema central é a figura do intelectual ao longo da história, especialmente na França e na Itália. Outro tema central desta antologia, como se deduz do título, é a “organização da cultura” nos seus diferentes âmbitos (escola, academia, universidade, os meios de comunicação). Ambos argumentos confluem na nova visão da intelectualidade, no chamado “intelectual orgânico”, que age como elemento integrador de um novo bloco histórico formado pelas classes subalternas (campesinado do Sul e proletariado do Norte), o qual está chamado a suplantar a hegemonia burguesa, consolidando a unificação nacional italiana no interesse das massas trabalhadoras.

Ao modelo tradicional de intelectual (“improdutivo”, como queria Achille Loria), Gramsci opõe uma nova noção, de caráter funcional e que parte do modelo ilustrado e jacobino, triunfante na Revolução francesa. A nova classe intelectual que está depor trás da crítica ao cosmopolitismo intelectual italiana é aquela que construi a hegemonia cultural dos valores nacional-populares e tem como objetivo o reapropriamento e a reconciliação do povo com a própria cultura; o intelectual gramsciano é concebido de forma “orgânica”, isto é, como parte da massa e portanto não vive já da ignorância do povo, senão que é o seu principal inimigo; não é a expressão das carências educativas do povo, senão que é a base para a organização de uma “escola unitária”, que conjuga trabalho manual e intelectual. Para o político sardo, o homo sapiens é sempre um homo faber. Em definitivo, o valor da intelectualidade cifra-se na sua capacidade crítica, diretiva e criadora da hegemonia. Assim, para Gramsci, a crítica cultural implica sempre uma crítica do intelectual e por isso é contrário ao intelectual “neutral”, apolítico, situado por cima dos partidos. Estamos longe de uma noção da cultura estranha à política; para Gramsci, o intelectual está inserido numas relações de produção, exercendo de “funcionário da superestrutura” que elabora uma moral e uma cultura determinada ao serviço de um(s) poder(es) concreto(s), de uma sociedade política e civil, assente num determinado bloco histórico.

Para acabar, eu queria voltar para um desses artigos de juventude que Gramsci escrevera para o Grido del Popolo, em concreto o intitulado “Socialismo e cultura” (ver Escritos de Mocidade, p. 36). Nele Gramsci defendia que a cultura para o proletariado era essencialmente organização, isto é, a aquisição de uma superior consciência de si como grupo social e aprendizagem, também, dos direitos e deveres da vida social. A esta visão da cultura como organização, mas também como crítica do “sentido comum” que impõe certa intelectualidade, Gramsci incorpora nos Cadernos a crítica da figura tradicional do intelectual, iludido na sua autonomia a respeito do poder e concentrado num trabalho puramente cerebral. Este é o núcleo da reflexão de Gramsci no presente livro: a importância da cultura e do intelectual “orgânico”, parte constitutiva de um grupo social onde todas as pessoas realizam trabalho manual e intelectual e o conhecimento não é um pretexto para a subordinação, senão condição para a liberdade. A noção gramsciana de intelectual orgânico, como a hegemonia, apesar das suas aporias, é ainda útil para quem acreditar num modelo de educação crítica, dialética e consciente, aquela que achega ferramentas próprias para a interpretação e transformação do mundo. Inevitável enlaçar esta visão da cultura como “alfabetização”, como luta política entre cosmovisões opostas com a pedagogia de Paulo Freire. Para Antonio Gramsci, como para o brasileiro, o socialismo é sinónimo de educação e esta é sinónimo de liberdade. Ficamos com o apelo gramsciano ao “empoderamento” das classes subalternas, convertidas, graças à organização da cultura em sujeito ativo da democracia, capaz de controlar em todo momento a ação do governo.

A figura do/a intelectual (e 5)

10/11/2011

Segundo Bourdieu, a figura do intelectual empeza con Zola e o caso Dreyfus e ten o seu cénit con Sartre e Libération. Así, o mandarín birollo marcaría o final dunha especie; a do intelectual total, aquel que constrúe o seu prestixio intimidatorio cultivando máis dun campo con grande eficacia; filosofía ou letras, na maior parte dos casos, onde gañaría as credenciais que lle permitirían intervir logo nos asuntos da República, na política. Este intelectual acumularía así, finalmente, un grande capital simbólico de procedencia diversa que aumentarían o seu prestixio público e capacidade de incidencia social. Pois ben, a pregunta que nos facemos é: e por que se extinguiron os intelectuais totais? Non val responder que por un proceso de especialización que poría en maior dificultade acadar a excelencia en máis dunha disciplina, pois xa en tempos de Sartre os especialistas dominaban o planeta. Na nosa opinión, o que sucede é que, despois do 68, a esquerda perdeu a hexemonía cultural que parecía pertencerlle de por vida, e aínda non foi quen de recuperala, hoxe por hoxe, e de crear unha nova mística fornecedora daquel carisma perdido. Os tempos son novos, e cento sesenta caracteres non parecen ser o mellor formato para sentar cátedra. Aínda así, estamos certos de que despois desta crise a esquerda volverá a ter moito que dicir, e non será, abofé, Repeating Sartre.

Alberto Lema

A figura do/a intelectual (4)

07/11/2011

Algunhas palabras permanecen no uso cotián aínda cando o seu significado mudou, é unha característica preguizosa da linguaxe moi ben aproveitada polos discursos de poder, debido á necesidade deses discursos de facer os conceptos manipulables (confusos). O termo intelectual aparécesenos no presente como algo desgastado, ambiguo e mesmo do cal desconfiar, pero permanece e de cando en vez xurde na nosa fala e na nosa escrita, aínda que ninguén queira para si o apelativo. Parece que é preciso recorrer á palabra intelectual para referirse ao suxeito ou autoridade do pensamento crítico ou que move á acción.

Xa non gustamos da palabra intelectual pero seguimos a pensala, entón ou nos desfacemos do seu uso definitivamente ou haberá que recuperalo para o pobo como tantas cousas que nos quedan por recuperar. Non debemos deixar que pense por nós ningunha figura intelectual nin abstracta nin concreta: reclamemos o ente intelectual para o pobo. Sexamos ao mesmo tempo intelectuais e a audiencia que os certifica como tal, en definitiva, establezamos unha dialéctica intelectual entre iguais. Que elabore os discursos quen os faga efectivos e se admitimos a existencia dunha caste intelectual esta debe identificarse (non só combinarse) coa acción colectiva.

Cristina García Parga

A figura do/a intelectual (3)

02/11/2011

A voz autorizada: un histrión da clase media, un príncipe polaco, un tertuliano ao servizo do partido ou no mellor dos casos, un bohemio, un charlatán sen dono. Varón, mediana idade, occidental… Señores ilustrados: Léanme os meus dereitos!

Consciencia! O individuo sospeitou que o pensamento é recreación do discurso social, materia silenciada polo prexuízo servil, pola patoloxía programada no troll que nos encarna. Para sabermos o que pensamos namais cómpre ollar como vivimos? Críticos, disidentes, apóstatas da hora… É precioso o cultivo, practicar a vixilia, liberar a acción e traficar coa beleza. É este desinterese quen desmantela a ditadura da economía que ordena a sociedade. A intelectualidade transita pola ponte desde onde se botaron os poetas.

Gaspar Domínguez

A figura do/a intelectual (2)

27/10/2011

Enfrentar a vigência, validez e potencial da figura do/a intelectual, do/a intelectual de esquerdas, num tempo de mudança como o presente situa o debate numha certa instabilidade que empurra cara à cautela na análise. Podem-se estabelecer com todo uns pontos de amarre mui singelos para umha crítica radical do modelo:

– Primeiro, o mundo nom é o mesmo, o mercado da literatura e o pensamento nom é o mesmo, as condiçons nas que os/as ‘intelectuais’ podem exercer nom som as mesmas que quando boa parte da esquerda se fascinou com a possibilidade de intervir no espetáculo de massas que é a ‘opiniom pública’. Com um mercado mui submetido a dinâmicas publicitárias -entendendo nestas desde as campanhas de promoçom ao papel da crítica na imprensa- a possibilidade de falar sem cancelas nom é já tanta. Semelha difícil hoje tornar compatível a profissionalizaçom no trabalho intelectual com o compromisso, ou quando menos com um compromisso com as luitas emancipatórias mais radicais.

– Segundo, é já um facto a desconsideraçom em boa parte da esquerda e da sociedade em geral cara a aquelas figuras que poderíamos chamar de ‘intelectuais de esquerda’. Décadas de “pasteleo” com as instituiçons do estado burguês, com o empresariado do setor e com a socialdemocracia tenhem danado um modelo de intervençom que, amais, já semelhava fundamente elitista. A separaçom da intelectualidade com as pessoas às que devera dirigir-se é hoje mais evidente -e mais grande- do que há umhas décadas, devida dumha banda à autonomizaçom do campo do pensamento -cada vez menos ‘dependente’ da realidade- e doutra a essa identificaçom no conhecimento popular “intelectuais-poder”, nom isenta de responsabilidade por parte de quem creu que dous (um, três,…) manifestos anuais salvaguardam o seu compromisso ético.

– Terceiro, e falando mui ao direito, cumpre pôr em dúvida que, num futuro em que o compromisso real com a comunidade se tenha que demostrar com a cooperaçom pola simples supervivência material, vaia ter muita relevância coletiva de lado do trabalho de quem colabora na horta do bairro ou na construçom de vivendas em mao comum o facto de alguém que se tenha especializado na produçom imaterial andar a sentar cátedra desde um gabinete ou umha coluna jornalística.

Com estes vimes, nom semelha que as canles para o pensamento crítico nos tempos que venhem vaiam passar pola defesa, a recuperaçom ou a posta em valor de novos/as intelectuais. Por contra, é urgente a experimentaçom para devolver à ‘cousa intelectual’ a vocaçom de serviço ao comúm e a capacidade de interpelar a quem pretende constituir como sujeito da acçom emancipadora.
Diante da cissom entre as luitas sociais e o pensamento especializado e separado ao que tendem intelectuais e academias, começam a se configurar espaços e fórmulas para a construçom e divulgaçom de conhecimentos críticos. Som projetos editoriais que rompem com a lógica do benefício económico ou a autoria individual, projetos audiovisuais que no espaço entre o cinema militante e a reportagem contrainformativa documentam e comunicam as luitas populares, grupos de estudo e debate, … que cumpre continuar a sacar do ‘gueto’. Com todo por fazer, talvez seja tempo de deixar de se preocupar pola derrota na luita por umha ‘opiniom pública’ que se joga nos mercados e com as formas espetaculares do estado que se procura derrubar, e dedicar as forças a rastrear as pegadas do espaço comunitário onde fiquem, para ali intervir e o alargar.

Xoán R. Sampedro

A figura do/a intelectual (1)

25/10/2011
O pensamento é un ben común, está para tod@s. Nese sentido, entendo que cada un/ha de nós debería coidar do seu desenvolvemento, algo que, sen dúbida, afecta á dimensión social. Como o panorama é ben distinto e, aínda máis, tende a empeorar, igual podemos entender por activismo a protección e difusión das vías de coñecemento que permiten a emancipación dos seres humanos (o que implica unha liberación para o resto dos seres do planeta…). Estes espazos de pensamento probablemente corren moito perigo grazas a esta nova reviravolta do neoliberalismo, pero a responsabilidade de perpetualos é de tod@s. Entón, creo na horizontalidade por posición política e pola súa necesidade para que a muda social sexa real (e nos libre da barbarie).
Rebeca Baceiredo

O primeiro Gramsci

11/10/2011

Depois da edição dos artigos de crítica teatral, Xesús González Gómez edita com Laiovento uma antologia dos escritos juvenis de Gramsci, isto é, daqueles textos jornalísticos escritos entre 1914-1918, num contexto marcado pela Guerra em Europa e pelo desenvolvimento revolucionário em Rússia, que põe em andamento a queda definitiva do Ancien Régime (Arno J. Mayer) e o advento de uma política de massas.

Escritos de mocidade (1914-1918). Antonio Gramsci. Trad. e ed. de Xesús González Gómez. Laiovento, 2011.

No alvor do século XX, um «século curto», no dizer de Hobsbawn, os textos de Gramsci tratam na sua maior parte das vicissitudes do processo revolucionário russo, com as lutas entre bolxeviques e esseritas, entre o proletariado e a burguesia, das repercussões desse processo no agir do proletariado italiano e especialmente turinês, bem como da crítica da literatura reacionária de matriz francesa, a «questão nacional» ou a análise da cultura popular.

O presente livro consta de uma apresentação, isto é, um breve estudo dos artigos selecionados, uma sucinta biografia de Gramsci, além da escolma de artigos, uma bibliografia essencial e umas notas de rodapé muito didáticas. Nessas notas introdutórias, destaca a divisão que faz Xesús González Gómez de toda a obra de Gramsci em quatro fases bastante nítidas, chanços na sua evolução pessoal e ideológica, cada vez mais assentada na «praxe» revolucionária, como o próprio Gramsci denominou a sua filosofia.

Os textos do jovem Gramsci representariam, pois, a primeira fase do seu pensamento, com uma progressiva implicação política e pessoal nos ambientes proletários de Turim, afastando-se cada vez mais da Universidade (Gramsci não finaliza o seu curso de Filologia) e do idealismo de matriz croceana, que substitui pelo materialismo e a crítica dialética do marxismo, apreendidos através das monografias francesas.

Certamente, estes quatros anos representaram para Gramsci primeiro uma crise no pessoal (depois de grandes sacrifícios pessoais para aceder ao ensino superior, Gramsci abandona a universidade), de passagem do sardismo para o internacionalismo operário, e enfim de uma crescente consciencialização política, começando em 1913 da simples militância até o desempenho em 1918, mesmo que fosse de forma provisória, do cargo de secretário do Partido da seção turinesa.

A leitora, o leitor, vai encontrar uma escolma de textos jornalísticos, nascidos ao calor do debate diário, da confrontação ideológica com a prensa burguesa, textos de caráter efémero para Gramsci, mas que hoje, quase cem anos depois, destacam pela sua frescura e surpreendem pela sua lucidez dos seus vinte e tal anos, apesar das contradições que se apreciam entre diferentes artigos, por exemplo sobre o papel de Lenine e que no fundo demonstram a evolução do seu pensamento em função das informações que iam chegando da Rússia.

Como nos ensinou o feminismo, o pessoal é político (Kate Millet) e ao avesso. Os textos do jovem Gramsci não são alheios à tragédia da guerra nem tampouco, é claro, ao vasto impacte da Revolução rusa nas sociedades europeias em geral e na sociedade italiana em particular, onde o Biénio Vermelho de 1919-1920 será mais uma tentativa revolucionária no ocidente. Mas antes de chegar à ocupação das fábricas em Turim, Gramsci começou a elaboração do que ele denominaria «Filosofia da praxe», uma forma do marxismo, expressão da consciência de classe de um proletariado sempre em mudança, sob a orientação do «intelectual orgânico». Nesta sentido é que podemos ver nos escritos de mocidade a base de tudo o mais.

Entre 1914 e 1918, Gramsci esforça-se por subir o nível cultural das massas proletárias, apostando no caráter revolucionário e denunciando o reformismo e o pactismo com a burguesia, promovendo uma nova cultura, um novo consenso hegemónico. Em definitiva, estes escritos do jovem militante que era Gramsci nesses anos anunciam o que será o Gramsci das seguintes fases: não apenas o Gramsci estudioso da cultura popular, mas o Gramsci dos conselhos turineses, do Ordine Nuovo e do PCI, o Gramsci da hegemonia, da «guerra de posições», enfim, o Gramsci da praxe revolucionária e do Estado proletário subsumido na sociedade civil… Todos os temas futuros da obra gramsciana estão já nestes artigos, mesmo que seja de jeito parcial e inconcluso, como é normal, ao se tratar de artigos jornalísticos.

O livro como arma

05/10/2011

«… A questom que gostaríamos de começar a analisar é que funçom pode jogar hoje o livro no combate do pensamento: Em que condiçons é possível manter hoje um projeto editorial independente e crítico que persiga umha ideia? Como esta ideia pode perfurar um espaço de visibilizaçom saturado polo mercado do livro-mercadoria? E como pode um livro interessante encontrar leitores interessados, indo além do pequeno círculo de habituais e conhecidos? Em definitivo, a questom é até que ponto o formato livro é capaz hoje de ter efeitos transformadores sobre a realidade e sobre as nossas vidas.

Esta pergunta nom a podem responder somente os editores ou os livreiros. Implica-nos a todos. Estamos num momento de grandes mudanças em que nom nos podem valer atitudes nostálgicas nem puramente resistencialistas. O desafio é repensar desde múltiplas frentes o estatuto político do livro, ou o que é o mesmo, como fazer do livro umha máquina de guerra. A conversa que aqui resumimos rematou com a proposta de convocar um encontro de editoras, livreiros e outros setores da cultura, o ensino e o pensamento que queiram assumir este repto coletivamente…»

Para descarregar o TEXTO ÍNTEGRO do debate: O livro como arma.

[O documento fai parte do monográfico El combate del pensamiento, publicado na revista Espai en Blanc (7-8, 2010)]

* Imagem de Bansky

Defendermos a Terra junto a quem a trabalha

29/09/2011

[Resenha de Arredismo e tradiçom. O campesinado galego face a modernizaçom. Escola Popular Galega, 2011]

Pensarmos hoje a Galiza, defendermos a Terra de forma consciente e organizada, exige uma reflexão de caráter histórico sobre o nosso passado rural, mas também exige um exercício crítico com o relacionamento entre o arredismo e a nossa tradição agrária. Essa é a tese do livro recém editado pela Escola Popular Galega, onde se propõe um “razoamento sensato, modesto e contingente sobre a nossa rurália, tam vindicativo como crítico”, animado por uma sensibilidade “conservadora”, isto é, respeitosa da tradição secular do campo galego.

Toda sociedade conserva e transmite os conhecimentos considerados socialmente valiosos, para reproduzi-los e conservá-los através da educação. Na Galiza, infelizmente, perdemos tempo atrás essa capacidade. Por isso, nesta “Galiza da conurbação” não admira a marginalização crescente de qualquer projeto contrário aos valores hegemónicos do progresso material ilimitado e da democracia do consumo.

No entanto, se a EPG reclama a revisão do relacionamento entre o movimento arredista e a tradição agrária não é para elaborar mais um revival passadista nem se tenciona idealizar as condições de vida na Galiza do Ancien Régime. O intuito da EPG é vindicar essencialmente o património histórico, fundamentalmente vencelhado à terra, e que hoje deixamos esmorecer nas aldeias, para libertar-nos dos preconceitos urbanos e assentar nos cimentos rurais as bases de um território articulado, com relações humanas plenas e criadoras de cultura. A reconsideração das relações entre tradição e arredismo significa, pois, valorizarmos (e utilizarmos) a resistência histórica do campesinado (a épica campesina) contra a modernização capitalista, contra o estado liberal e em definitivo, contra um modelo de sociedade urbana que equipara o sujeito político ao cidadão e que mesmo hoje não equiparou ainda os direitos nem as obrigações dos e das habitantes do rural e da cidade.

Finalmente, e esta é uma lição importante do livro, dita quase que de passagem, o nosso presente de lutas marginalizadas é o resultado do ataque frontal da modernidade capitalista contra as nossas comunidades labregas. Por isso, esta outra “rebelião conservadora” contra esta modernidade voraz que se devora a si própria, necessita do rural, necessita da dignificação da sua tradição expressada no cooperativismo das contra-jeiras, na noção de “bem limitado” ou nas suas práticas de autogoverno assemblear. Tal vez esses “costumes em comum”, que diria Thompson e que um dia equiparámos com atraso e miséria, possam ensinar-nos alguma coisa a nós, pailões e pailãs da cidade.

[Texto publicado no número 106 do jornal Novas da Galiza]